terça-feira, 10 de julho de 2012

O DONO DA BOLA

                                         E a turma vai chegando. Picolé mora na rua do mercado da D. Belinha, a última casa da ladeira, vem descendo, chutando pedra e já quase na esquina, dá um grito na frente do sobrado amarelo. Ferrugem abre a porta, salta os cinco lances da escada, pula o portão e se junta ao amigo.
No caminho encontram o Pitin que mora no décimo andar e querendo bancar o esperto, disse ter descido pelas escadas, embora não pareça cansado. O Pitin, o pessoal já conhecia por ser um contador de estórias e por ser ruim de bola.
No quarteirão de cima, o Alfredinho vinha de bicicleta, todo arrumadinho, tênis novinho, meias brancas " a la OMO". Jogava parado para não suar e nem desmanchar o cabelo, caprichosamente protegidos por uma toca.
Pedy gostava mesmo era de jogar no gol e como jogava. Não tinha medo de cara feia, dividia todas e era meio louco. Além disso, era meio cegueta, mas como usava lentes de contato, nem todos sabiam desse detalhe.
E Chicote, o craque da turma, com a bola debaixo do braço, um tênis meia boca e fazia o que queria com a bola, fazendo-a parecer um balão de festa de aniversário. É hora do jogo.
Boné surrado, cabisbaixo, sapato de cromo alemão brilhando, contrastando com uma velha calça de tergal e camiseta regata bem larga. O velho e bom Seu Valter.
Nos anos 60 ele chegou a jogar no Santos de Pelé, mas um joelho bichado não permitiu que fosse adiante e passou a treinar equipes na várzea. Não tinha quem não o conhecesse, pois ele cruzava a cidade garimpando futuros craques.
De uns tempos para cá, vivia de aluguel numa quitinete e fazia bicos na padaria do seu Manoel, que era bem próxima do campinho da molecada. Entre um cafezinho e um sanduiche de mortadela, os clientes paravam para assistir as peladas, o que deixava o velho português feliz da vida, enquanto o Seu Valter observava atentamente aos lances do jogo.
Num feriado de 7 de setembro, a padaria cheia, Seu Manoel atendendo e contando umas piadas, o Seu Valter tomando uma média no balcão e nada de bola.
Chicote e a turma estavam sentados no meio fio do outro lado da rua jogando conversa fora. Seu Valter aproximou-se e quis saber o motivo do desânimo.
A bola furou. Não deu tempo e tirou o velho boné, encaminhou-se até a padaria e partiu para o ataque. Seu Manoel puxou a fila e rapidamente colocou uma nota de 10 e o efeito dominó engrenou, a molecada entrou no clima, esticando as camisas e a alegria voltando em suas faces.
Compraram uma bola novinha, couro puro e ainda sobrou uma grana para comprar algumas camisas do Palmeiras e do São Paulo, que serviriam de uniforme durante as peladas.
Mas estava apenas começando e o Seu Valter teve outra ideia e sugeriu que o Seu Manoel colocasse uns cartazes dos produtos da padaria ao redor do campinho. Propaganda feita, o movimento aumentava e pares de tênis zerados foram comprados.
Com o tempo, outros comerciantes passaram a cooperar, a molecada vendia pipoca e amendoim durante os jogos e ganhavam metade do lucro obtido. Conseguiram comprar uma lona usada de um circo para cobrir o campinho e assim, mesmo com chuva, o espetáculo estava garantido.
Foi um tempo maravilhoso, peladas memoráveis, o tempo passou e nenhum deles, nem mesmo Chicote, tornou-se jogador profissional, porém, toda essa demonstração de solidariedade, perseverança, união fez com que Picolé, Ferrugem, Pitin, Alfredinho, Pedy e Chicote se transformassem em verdadeiros homens de caráter e com muito orgulho do Seu Manoel e do Seu Valter.

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